domingo, 6 de dezembro de 2009

Alguém explica?

Gazetilha
Domingo, 6 de dezembro de 2009

"Existem apenas duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao Universo"

Frase atribuída a Albert Einstein, cientista alemão, autor da célebre Teoria da Relatividade e considerado um dos maiores gênios da humanidade


Há pelo menos quatro mil anos os grandes pensadores do mundo se debruçam diante de três questões fundamentais, batizadas como trindade filosófica: quem somos, de onde viemos e para onde vamos? A angústia provocada pela busca - nunca conclusiva - por respostas plausíveis está na raiz do desenvolvimento do pensamento filosófico dos grandes mestres gregos e orientais. Esta necessidade de encontrar uma explicação mais ampla para o sentido da vida é o que alicerça também toda e qualquer religião. Não importa muito quão particular é a resposta que um determinado credo propõe, o fato é que as múltiplas explicações apresentadas, por mais distintas e diferentes que sejam, partem de uma mesma inquietação fundamental: quem somos, de onde viemos e para onde vamos?

Tivessem os grandes pensadores da Antiguidade nascidos no Brasil, certamente a trindade filosófica teria que receber outra designação. Às três dúvidas existenciais universais, uma quarta questão se impõe aos brasileiros: por que dirigimos tão mal? E nós, francanos, temos que lidar ainda com uma quinta dúvida, derivada desta última. Por que dirigimos carros como se fossem carroças?

Sem nenhum exagero, dirigir no trânsito de Franca é tarefa para gente corajosa, destemida, forjada sem medo e com nervos de aço. Qualquer trajeto dentro da cidade, por mais curto que seja, revela-se uma aventura única. Não importa hora, dia ou época do ano, ao entrar no carro para vencer uma distância qualquer, o motorista francano tem a certeza de que encontrará em seu caminho perigos de toda sorte. Chegar são e salvo é uma vitória e tanto.

São múltiplas e as mais diversas possíveis as modalidades de atrocidades cometidas no trânsito de Franca pelo barbeiro, o tipo de motorista predominante. A mais irritante delas é protagonizada por um subtipo encontrado em qualquer rua da cidade, o barbeiro-daltônico: ignorar a função do pisca-pisca. Tenho a impressão de que ninguém aprende nas auto-escolas para que serve aquela alavanca pendurada no volante, capaz de ligar uma luz intermitente no painel - e suas congêneres na dianteira e traseira do veículo. Imagino que a maioria das pessoas acredita que a função é mantê-la apagada. E aí, não importa se é rua pacata ou avenida congestionada, o barbeiro vira à esquerda e a direita a seu bel prazer, sem qualquer indicação ao pobre coitado que trafega atrás, como se houvesse alguma telepatia capaz de permitir aos motoristas que tentam conduzir seus carros com um mínimo de segurança desvendar qual será a trajetória dos veículos que dividem a rua com ele.

Em horas de trânsito congestionado, a coisa beira o sadismo. Um monte de carros trafegando próximos uns aos outros e, no meio da fila que deveria ser indiana, sempre há um aqui e outro acolá que vira sem prévio aviso, como se fosse a coisa mais normal do mundo. E ai de você se buzinar para reclamar... Vai ouvir uma buzina ainda mais forte como resposta, quando não uma chamada para briga, como se o errado fosse você. E o descaso se repete em cruzamentos, conversões, portas de garagem. O barbeiro-daltônico não dá qualquer indicação do trajeto a percorrer. Quem não estiver atento, bate mesmo.

Nas rotatórias que distribuem o tráfego nos cruzamentos de avenidas da cidade, espalha-se outra praga de nosso trânsito, o barbeiro-suicida. Este brinca com a própria vida - e a dos outros - como se estivesse numa roleta-russa. O sujeito entra na rotatória sem qualquer indicação do trajeto a percorrer, igualmente sem acionar o pisca. Quando você menos espera, o barbeiro-suicida atira o carro sobre o seu em busca do acesso para uma rua qualquer. É brecar na hora ou bater. A manobra exige sangue frio. Ao mesmo tempo em que evita o choque com o idiota que cruza à sua frente, você ainda tem que conseguir se safar de quem vem atrás. Não é fácil.

Um outro espécime é o barbeiro-Senna, um tipo meio psicótico que acredita ser uma espécie de reencarnação do piloto brasileiro morto num acidente nas pistas. O sujeito não dirige, pilota. E as ruas, para ele, não são vias de tráfego, mas pistas de corrida. O tipo é facilmente encontrado nas grandes avenidas, próximo aos semáforos. Se ele está parado no vermelho e o sinal muda para verde, ele dispara em alta velocidade como se estivesse disputando a primeira posição na tomada da curva. E tome fechadas e trajetórias sinuosas. Pobres pedestres que estão em seu caminho. Ou correm ou são atropelados, impiedosamente. Se o barbeiro-Senna está trafegando com seu veículo e o semáforo 400 metros à frente muda para amarelo, mais terror. O sujeito pisa fundo no acelerador. Parece ridículo, mas o barbeiro-Senna ignora totalmente a função do sinal amarelo. Na sua mente doentia, a indicação de alerta e redução de velocidade significa o oposto. Aí, ele acelera para valer pois parece acreditar, por mais absurdo que possa parecer, que o objetivo é atravessar o cruzamento a qualquer custo naqueles míseros dois segundos que restam. Ou você sai da frente ou morre.

Há ainda o barbeiro-sniper, um tipo que tem instinto de franco-atirador e juízo nenhum. Este conduz seu veículo como se fosse uma arma. E seu alvo são os pedestres, ciclistas e motoqueiros que cruzam seu caminho. O barbeiro-sniper mira seu carro nos seus alvos e... acelera fundo. Se a vítima não sair do seu caminho, ele passa por cima. Além do instinto assassino, o barbeiro-sniper tem a alma canalha. Quando acerta alguém, nunca oferece socorro. De forma covarde, abandona sua vítima estirada ao chão. Foge, simplesmente.

Este último subtipo persegue especialmente funcionários do GCN (Grupo Corrêa Neves de Comunicação), que controla o jornal Comércio da Franca e a Rádio Difusora. A última vítima foi o repórter Alex Henrique, da Difusora. Alex trafegava de moto rumo à nossa sede, nesta semana, quando foi covardemente atingido por um barbeiro-sniper. A bordo de um Fusca, o sniper ignorou a indicação de pare e avançou o cruzamento. Passou sobre Alex, que teve a tíbia (osso da perna) destroçada. Vai ficar dois meses de molho, afastado do que mais gosta de fazer - narrar as partidas do Franca Basquete - e terá ainda que enfrentar um doloroso processo de recuperação. Algum remorso do barbeiro-sniper? Nenhum aparente. Ao ser indagado por nossa equipe de Recursos Humanos sobre o que tinha acontecido, limitou-se a dizer que não havia problema "porque a moto só arranhou". Sobre os ferimentos em Alex Henrique, nenhuma palavra.

Alex foi a última vítima, mas não a única. Diversos outros colegas aqui do GCN sofreram acidentes semelhantes. Jovens encartadores foram atropelados por um caminhão cujo motorista fugiu sem prestar socorro; uma atendente da área de assinaturas foi atropelada por um menor de idade que igualmente desceu, olhou para o corpo estirado ao solo e fugiu; uma outra operadora de classificados sofreu acidente semelhante há poucas semanas. Ainda assim, temos sorte relativa. Apesar de graves, nenhum dos acidentes foi fatal. Foram graves, mas não irreversíveis.

No dia a dia da cidade, há casos bem piores, de gente que perde a vida em acidentes banais, sem qualquer explicação possível. Pais de família, jovens trabalhadores, crianças, todas vítimas indefesas deste trânsito a cada dia mais selvagem. Para as dúvidas existenciais da trindade filosófica, religiões e pensadores oferecem várias possíveis explicações capazes de reconfortar. Para a imbecilidade do trânsito de Franca e seus barbeiros, não há qualquer explicação possível.

CORRÊA NEVES JÚNIOR
é diretor-responsável do Comércio da Franca
jrneves@comerciodafranca.com.br

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