SEGURANÇA PÚBLICAComunidade internacional critica atuação da polícia no RioEm diferentes comunicados, pesquisadores de universidades na França e nos EUA e a organização Anistia Internacional questionam a atuação da polícia na megaoperação realizada no Complexo do Alemão. Peritos federais investigarão se houve execuções.Bia Barbosa Carta MaiorSÃO PAULO Não é de hoje que a situação de violência no Brasil atrai os olhos da comunidade internacional. Com a megaoperação realizada no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, no último dia 27 de junho, não foi diferente. Um manifesto de intelectuais contra a política de segurança do estado fluminense recebeu a adesão de professores e pesquisadores de diversos países, incluindo estudiosos da Escola de Ciências Políticas de Paris e da Universidade de Sorbonne, na França, e das universidades da Califórnia e Harvard, nos Estados Unidos.
O movimento começou com um grupo de acadêmicos do Rio de Janeiro e, depois de enviado à Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, se transformou num manifesto político que já conta com 370 assinaturas de intelectuais, representantes de organizações da sociedade civil e de movimentos populares. Entre eles, nomes como Plínio de Arruda Sampaio, Paulo Arantes, Regina Novaes e Roberto Leher.
Na última sexta-feira (6), a Anistia Internacional, uma das maiores organizações de defesa dos direitos humanos em todo o mundo, também divulgou um comunicado global em que pede que o governo trabalhe com as comunidades locais, e não contra elas, para resolver a crise de segurança no país. Na avaliação dos pesquisadores da Anistia, o novo governo do Rio de Janeiro está sacrificando as vidas e a sobrevivência diária de centenas de alunos, donas de casa, aposentados e trabalhadores por meio do "uso esporádico de operações policiais discriminatórias, violentas e ineficientes", que deixam a população sem acesso à escola, aos centros de saúde, sofrendo cortes no fornecimento de luz e de água.
"Longe de oferecer a segurança de que as comunidades tanto necessitam, as incursões descontínuas no Complexo do Alemão e na Vila da Penha põem em risco a vida de todos, ao mesmo tempo em que causam prejuízos sociais e econômicos que podem levar anos para ser superados", afirmou Tim Cahill, pesquisador da Anistia Internacional para o Brasil.
O comunicado da entidade internacional lembra que, em maio de 2007, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, disse à Anistia que as operações nas favelas tinham o apoio das comunidades, pois elas garantiam o trânsito livre dentro de seus bairros. Na ocasião, ele admitiu, no entanto, que as operações trariam algum impacto negativo, mas enfatizou que "não se faz um omelete sem quebrar os ovos".
"Está na hora de o Rio de Janeiro e seus líderes ouvirem as vozes daqueles que alegam defender. Eles não são "ovos", mas pessoas com nome e endereço. Para sua infelicidade, porém, seu endereço parece excluí-los do tipo de proteção que é oferecido a quem mora nos bairros ricos, como Leblon e Ipanema", disse Tim Cahill.
A crítica da Anistia se soma a questionamentos feitos por organizações de defesa dos direitos humanos no Brasil acerca dos resultados da operação no Complexo do Alemão. Os laudos dos corpos das 19 pessoas que oficialmente morreram na operação mostram que 16 foram baleados nas costas. Quinze também foram atingidos em outras partes do corpo; três foram mortos com tiros na nuca e há cinco mortos com marcas de tiro à queima-roupa, que seriam indícios de execução. Entre os mortos, estão dois menores de idade: David Souza de Lima, de 14 anos, que levou todos os cinco tiros pelas costas, e Pablo Alves da Silva, de 15 anos, que teve nove perfurações quatro pelas costas.
Nesta terça (10), após solicitação da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil) e da Alerj (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) peritos federais devem chegar à capital fluminense para estudar o caso. Eles acompanharão o trabalho da 22ª Delegacia de Polícia da Penha, que investiga as 44 mortes que ocorreram no Complexo do Alemão desde o início dos confrontos entre policiais e traficantes, há 69 dias. Outras 78 pessoas foram feridas.
Resposta infeliz
Diante das denúncias feitas por moradores do Complexo do Alemão a parlamentares e organizações de defesa dos direitos humanos, a resposta do secretário de Segurança do Rio não poderia ter sido mais infeliz. Beltrame disse que foi informado de que alguns moradores estariam sendo pressionados e manipulados por traficantes, para procurarem órgãos de direitos humanos.
"Não vou ser leviano de garantir que há essa manipulação, mas me causa estranheza que a maioria dos moradores não tenha comparecido a uma delegacia para reclaramar de excessos", disse à imprensa, cobrando das organizações que apurassem melhor as circunstâncias da operação. O chefe da Polícia Civil, delgado Gilberto Ribeiro, foi além, e afirmou que as próprias ONGs podem estar sendo manipuladas pelo tráfico para atrapalhar a operação policial.
O governador Sérgio Cabral completou as acusações declarando que a ação da Comissão de Direitos Humanos da OAB para exumar os corpos e buscar indícios de possíveis execuções não vai intimidar o governo. "vamos continuar agindo com rigor, sem truculência e desrespeito aos direitos huamnso. Falta de direitos humanos é o que o marginal faz na comunidade, tocando terror em toda a cidade", disse. Para Cabral, a ação no Alemão foi totalmente dentro da Lei.
As entidades reagiram numa nota pública, em que reafirmam o posicionamento contrário à política de segurança pública em curso no Rio de Janeiro e pedem uma retratação do Secretário de Segurança e do Chefe da Polícia Civil.
"Ao sugerir que as organizações estão sendo manipuladas pelo tráfico, a Secretaria tem como objetivo deslegitimar nossas ações e denúncias de violações por parte das forças policiais. Essa tática da Secretaria fica muito mais evidente no momento em que a análise dos laudos cadavéricos dos 19 mortos na operação realizada no Complexo do Alemão indica execuções sumárias", dizem as entidades.
A Anistia Internacional também demonstrou preocupação com o fato das autoridades estaduais e federais e de setores da imprensa tentarem prejudicar e desacreditar os moradores das comunidades e os ativistas de direitos humanos que questionam as ações de alguns policiais. A organização exortou as autoridades a quebrarem a antiga tradição de acobertamento e impunidade, características de casos similares ocorridos no passado.
"É irresponsável sugerir que aqueles que denunciam possíveis incidentes de execuções extrajudiciais, tortura, intimidação e roubo durante essas operações estejam pedindo que se faça um policiamento com "pétalas de rosa e pó de arroz", ou que estejam sendo pagos pelas facções do tráfico", afirmou Tim Cahill. "Desacreditar ou abafar essas denúncias irá, na melhor das hipóteses, reforçar a crença de que a segurança e o bem-estar dos residentes têm importância secundária durante essas operações e, na pior, passar a mensagem de que as ações ilegais realizadas no contexto destas operações estão sendo permitidas", completou.
A Secretaria de Segurança do Rio disse que não vai recuar da decisão de realizar novas megaoperações nas comunidades carentes da cidade. Segundo Beltrame, ações podem ocorrer mesmo durante a realização dos Jogos Pan-Americanos.
O manifesto "Chega de Massacres", elaborado por intelectuais contra a política de segurança no Rio está disponível para assinaturas na página www.redecontraviolencia.org.
Novo Yahoo! Cadê? - Experimente uma nova busca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário