quarta-feira, 25 de maio de 2011

PÃO, CIRCO E INCOMPETÊNCIA

           Presenciamos recentemente uma polêmica decorrente da rejeição pela Câmara Municipal de Franca do projeto “Circuito Cultural Musical”.  Na internet a discussão se estendeu, com ataques aos vereadores contrários ao projeto.  Entretanto tais discussões são superficiais e não fazem uma reflexão correta sobre o tema.

            Primeiro ponto: o que é Cultura?  Para o Antropólogo da Unicamp, José Luiz dos Santos, cultura é algo plural, diverso e que se altera ao longo da história.  Para esse autor, Cultura é uma dimensão da vida de uma sociedade, sendo uma construção histórica e um produto coletivo da vida humana.  Não sendo única, ela também reflete a divisão da sociedade em classes sociais, podendo então ser usada para reforçar o poder das classes dominantes.
            Outro autor, Otávio Ianni em seu livro “Imperialismo e Cultura”, afirma que para a classe dominante continuar a exercer seu poder ela deve se expressar em “idéias, valores, princípios e doutrinas organizados segundo as determinações básicas do modo capitalista de produção”.  Para ele, a ideologia dominante influencia e predomina no pensamento das classes sociais dominadas.  Ou seja, a cultura passa a ser então instrumento para reforçar determinados valores e para impedir ou dificultar a manifestação de idéias que contraponham esse poder, essa dominação de classe.
            Na teoria, tudo certo, mas então como isso se manifesta na vida real, no nosso cotidiano?  Simples: através da existência ou não de uma política cultural, analisando os focos de investimento do poder público, se é centralizador ou democratizante, entre outros.
            Vamos então ao caso de Franca.  Em nossa cidade, não existe um Conselho Municipal de Cultura, onde a diversidade cultural poderia estar representada, contribuindo para a criação de uma Política Cultural que valorizasse as centenas de grupos e manifestações locais, nos bairros e regiões de nossa cidade.  Isso leva então à que toda ação cultura seja definida pela FEAC e pela Prefeitura.
            Outro ponto é o grande investimento em estruturas no centro da cidade, como a construção do Teatro de Bolso ao lado do Teatro Municipal, sendo que tal investimento poderia ter sido feito para contemplar alguma região que não tenha estrutura cultural em Franca. 
            Outro exemplo foi a desapropriação de casas na área central para a criação do Museu Regina Duarte, com custo de investimento (entre prefeitura e governo do Estado) de quase 3 milhões de reais.  E, convenhamos, outras pessoas como Luiz Cruz, Carlos Assunção, Perpétua Amorim, Everton de Paula e Abdias Nascimento contribuem com muito mais valor para o desenvolvimento cultural de nossa cidade e nosso país no tocante à diversidade cultural.         Esse custo poderia ser investido em parceria com o Governo Federal no projeto “Espaço Mais Cultura”, que foi lançado em 2010 e não teve um projeto sequer inscrito pela prefeitura de Franca.  Com esse projeto nossa cidade poderia obter espaços culturais multi-uso, com área verde, salas de aulas, biblioteca, anfiteatro, oficinas, refeitório.  A contrapartida municipal deveria ser apenas a cessão da área e 10% do valor da obra (em média 500 mil reais cada unidade), ou seja, cerca de 50 mil reais. 
            No tocante especificamente ao projeto apresentado pela prefeitura, uma série de erros primários, superficialidades e incoerências levaram à rejeição correta pelos vereadores.  Talvez convencido da maioria folgada que sempre teve na Câmara, o prefeito tentou enfiar “goela abaixo” dos vereadores e da cidade algo sem pé nem cabeça.
            O senhor prefeito encaminhou o projeto 60/2011 em apenas uma página, solicitando “créditos adicionais suplementares no valor total de até R$ 320.000,00 (trezentos e vinte mil reais) na seguinte classificação orçamentária:
060100 FUNDAÇÃO ESPORTE, ARTE E CULTURA - FEAC
060102 DIVISÃO DE CULTURA-FEAC
133926002 Apoio às atividade s cultura is e populares-FEAC
2602 Manutenção das Atividades Culturais-FEAC
33903900 Outros Serviços de Terceiros Pessoa Jurídica”
            O projeto de lei também não informa nada além disso, nem tampouco qual empresa ficaria responsável pela execução do projeto.  Entretanto, para justificar sua aprovação, o prefeito anexou ao fim um OUTRO projeto, chamado “DIEGO FIGUEIREDO CONVIDA”. 
            Mais adiante, em comunicação da FEAC ao prefeito datada de 14 de março e também anexada, o projeto ganha o nome de CIRCUITO CULTURAL DIEGO FIGUEIREDO.  Ou seja, o poder público não se entende nem quanto ao básico, ou seja, a denominação do projeto.  Entretanto, é nessa comunicação, e não no projeto de lei ou no projeto anexado que estão indicados a quantidade de shows a serem realizados (8 no total), o local (ginásio Amauri Destro, no Poliesportivo), a capacidade dos shows (2 mil pessoas) e a empresa responsável, “a empresa do Diego Figueiredo” (sic).
            O projeto anexado (que não é o projeto de lei) indica ainda que “também será uma oportunidade para empresas francanas que queiram participar de um patrocínio associando seu nome a um evento de extremo prestigio social e cultural”
            O projeto é tão mal formulado que indica como “Justificativa do Projeto” o Currículo do nosso artista francano.  Em lugar algum aparece a gratuidade dos shows, a entrada em troca de um quilo de alimentos, para quem esses alimentos seriam destinados, como as empresas francanas seriam selecionadas.
            Em relação aos artistas que viriam à Franca, não há nenhum documento deles concordando com o projeto e comprometendo-se à apresentarem-se em Franca.  E legalmente não podemos usar nomes de terceiros sem que esses manifestem-se por escrito.  Isso chama-se “termo de anuência”.  Qualquer projeto que necessite de verbas públicas e que indique terceiros para sua execução deve necessariamente indicar que esses terceiros concordam, mesmo que relações de amizade forte existam.  Essa é a única garantia do poder público, dos investidores e da população em geral de que o projeto de fato ocorrerá.
            Enfim, a prefeitura tentou aprovar um “arremedo” de projeto, confuso, superficial, insuficiente e contraditório.  Um desrespeito ao cidadão francano, aos demais grupos e artistas locais que tem um apoio irrisório da FEAC, como a insuficiente “bolsa cultura” que destinará cerca de 120 mil reais para mais de 20 grupos ou artistas locais, num processo burocrático tão irreal que as pessoas jurídicas concorrentes devem ter declaração de utilidade pública.
            O prefeito municipal prefere sempre a lógica do autoritarismo e do “eu faço, o povo obedece”: centraliza as decisões e centraliza os investimentos.  Numa cidade em que o transporte público é monopolizado e tem uma das tarifas mais caras do Brasil, a centralização das políticas culturais é uma barreira à população.
            Esse episódio é apenas mais uma demonstração que cultura, em seu sentido amplo, plural e diverso não foi jamais prioridade do prefeito, uma vez que não temos uma Política Cultural em Franca, mas simplesmente o antigo “pão e circo”, mas nesse caso, sem o pão!

(para quem quiser acessar o “projeto” completo, ele está disponível em:

Tito Flávio Bellini
Prof. da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM
Coordenador de Comunicação do Instituto Práxis de Educação e Cultura - IPRA

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