
A mando de Álvaro Uribe, Exército invade o território do Equador e mata 17 guerrilheiros, entre eles Raúl Reyes, número dois da organização; Equador e Venezuela enviam tropas para a fronteira
03/03/3008
Jorge Pereira Filho,
da redação
O conflito entre Colômbia e Venezuela, antes restrito às asperezas diplomáticas, ganhou traços de um conflito militar no final de semana. E, agora, envolve também o Equador. O estopim foi a ação desencadeada pelo exército colombiano contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) em território equatoriano. Sob as ordens de Álvaro Uribe, os militares ultrapassaram a fronteira sem comunicar o país vizinho e mataram 17 guerrilheiros, entre eles, Raúl Reyes, porta-voz tido como o número dois das Farc que se empenhou nas recentes libertações de reféns políticos.
A operação em território estrangeiro provocou reações imediatas no Equador e na Venezuela. No domingo (2) à noite, os presidentes Rafael Correa e Hugo Chávez enviaram tropas para a fronteira com a Colômbia. Correa não aceitou as explicações e o pedido de desculpas de Uribe e expulsou o embaixador colombiano do Equador. Já Chávez fechou a embaixada venezuelana em Bogotá.
“O território equatoriano foi ultrajado e bombardeado por um ataque aéreo e a posterior incursão de tropas estrangeiras", afirmou o presidente. Correa caracterizou a operação do exército de Uribe como "a pior agressão que o Equador já sofreu da Colômbia" e solicitou uma reunião de emergência da Organização de Estados Americanos (OEA) e da Comunidade Andina de Nações (CAN) para tratar do assunto.
O conflito jogou mais lenha nas tensões entre os principais representantes de projetos políticos antagônicos para o continente. Uribe é o principal aliado de George W. Bush na região. Defende os acordos de livre-comércio e mantém laços estreitos com o Pentágono, em operações como a do Plano Patriota e Plano Colômbia – duas iniciativas que visam extinguir as guerrilhas Farc e o Exército de Libertação Nacional (ELN). Alinhado com os setores conservadores da sociedade colombiana, Uribe vive uma crise interna por conta das denúncias de ligações com narcotraficantes e grupos paramilitares (leia mais).
Já Hugo Chávez é o principal expoente do chamado Socialismo do Século 21 ou, em outras palavras, dos governos de caráter nacionalista e progressistas no continente. A ele se somam o boliviano Evo Morales e o próprio Rafael Correa que, no Equador, diz liderar a Revolução Cidadã (leia reportagem). Com uma retórica dura, Chávez tem criticado as políticas estadunidenses e protagonizado choques diplomáticos com os Estados Unidos, embora as relações comerciais entre os dois países tenham sido preservadas até o momento. O conflito entre a estatal PDVSA e a transnacional Exxon foi o último capítulo das desavenças (leia mais).
Para a senadora colombiana Piedad Córdoba, Uribe usa o conflito com Chávez para desviar a atenção da opinião pública das denúncias de ligação com os paramilitares. A senadora atuou como intermediadora no processo de libertação dos reféns das Farc. Em entrevista publicada pelo jornal Brasil de Fato, Córdoba avalia, no entanto, que não acredita que o conflito possa desembocar em uma guerra entre os dois países, já que ambos são parceiros comerciais preferenciais. A Colômbia é um dos países que mais vendem produtos agrícolas à Venezuela.
Antigas violações
Não foi a primeira vez que o exército colombiano ultrapassou suas fronteiras para confrontar as Farc. O governo equatoriano já protestou em outras duas ocasiões, pelo menos, contra incursões em seu território. Em 2007, Correa decidiu reforçar a vigilância na fronteira para coibir essas operações que violam a soberania equatoriana. Já em 2004, uma operação dos militares colombianos resultaram na prisão de uma liderança das Farc em território venezuelano. Uribe pagou a soldados venezuelanos para que seqüestrassem Rodrigo Granda e o levassem para a fronteira com a Colômbia. Chávez acusou-o de violar a soberania de seu país.
Na operação em que Reyes foi morto, o exército colombiano invadiu o território do Equador em quase dois quilômetros. Oficialmente, a justificativa apresentada foi a de que os guerrilheiros atacaram primeiro os colombianos. Em sua defesa, os militares alegaram que tiveram que avançar sobre o país vizinho. O presidente Rafael Correa rebateu o argumento: "Os cadáveres estavam de pijama, isto é, não houve nenhuma recepção quente. Foram bombardeados e massacrados enquanto dormiam, com uso de tecnologia de ponta, que os localizou na selva, seguramente com a colaboração de potências estrangeiras", comentou, referindo-se a uma possível ajuda dos Estados Unidos.
No domingo, Correa fez um pronunciamento em rede nacional para afirmar que não aceitou o pedido de desculpas da Colômbia e anunciar o envio de tropas à fronteira. O tom do discurso foi duro e o presidente equatoriano chamou Uribe de “mentiroso”: "O Equador sofreu um planejado ataque aéreo e uma posterior incursão de tropas colombianas com plena consciência de que estavam violando nossa soberania". Chávez, por sua vez, declarou que, se a Venezuela tiver seu território violado, responderá “enviando alguns Sukhois", referência aos aviões de guerra comprados recentemente da Rússia. “Não queremos guerra, mas não vamos permitir que o império norte-americano, que é o amo, e o seu filhote, o presidente Uribe, e a oligarquia colombiana venham nos dividir”, disse Chávez, em seu programa dominical Alô, Presidente que começou com um minuto de silêncio em homenagem a Raúl Reyes.
Crime de Guerra
Segundo o diário mexicano La Jornada, a operação militar colombiana pode ser considerada um "crime de guerra", já que viola a Convenção de Genebra. Esse tratado internacional classifica como crime de guerra, com a caracterização de "perfídia" (deslealdade), o assassinato de um membro de um exército adversário em meio a negociações de paz. "Proíbe-se matar, ferir ou capturar um adversário recorrendo-se à perfídia. Atos que convidam à confiança do adversário e que o leva a crer que está sob proteção das leis internacionais aplicáveis a um conflito armado. Trair essa confiança constitui perfídia", diz o documento. A Convenção de Genebra obriga a todos os países - acima de suas Constituições nacionais - a respeitar o estipulado no documento, no que diz respeito a direitos humanos e leis de combate. (com agências internacionais)
Fonte: Brasil de Fato
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