É preciso dizer o que se faz com um homem Negro neste País
*Márcio Amêndola de Oliveira
A meu amigo Ney Silva
É preciso dizer o que se faz com um homem negro, pobre, favelado, neste país. É preciso dizer que neste país existe a maior desigualdade social do planeta. E que o negro é a ponta de baixo desta pirâmide perversa. Que o seu salário é sempre o menor, que o emprego que lhe oferecem, o menos digno. Dizer que o negro é o 'suspeito' por excelência em qualquer situação de crime.
É preciso dizer que o Brasil é o maior país negro fora do Continente Africano, e deveríamos orgulhar-nos disto. Atirado a fórceps neste país durante 300 anos de tráfico negreiro, o homem, a mulher negra, nos ensinaram sua civilização, seu modo de ser. Ao invés de vingança, nos deram sua cultura, sua visão de mundo, suas crenças e costumes, sua inteligência.
É preciso dizer que o sistema judiciário e o aparato policial permanecem sordidamente a serviço da elite branca, consumista e burguesa deste país. Senão, como explicar os 'Malufs,' 'Pimentas Neves', Juízes Lalaus' da vida, soltos ou sob 'prisões domiciliares' em suas mansões com piscina?
Como explicar a resistência às cotas para negros em Universidades, no Serviço Público, em nome de uma 'democracia racial' que não existe? Como explicar as estatísticas de violência contra o negro, mais que contra qualquer outra etnia?
Como explicar todo o ouro, toda a prata, todo o café, o açúcar produzidos por gerações e gerações de negros que deram fortunas para engordar cofres Europeus, que proporcionaram sua revolução industrial? Como explicar que o banho de civilização do Velho Mundo foi financiado às custas do banho de sangue da Mãe África?
É preciso dizer o que se faz com um homem negro neste país. Um amigo, apenas um exemplo, de um caso particular. Um amigo, negro, pobre, favelado, digno, genial, inteligente, sensível, pai amoroso, lutador social, apenas por uma 'suspeita' foi preso, encarcerado, agredido e privado de sua liberdade –um de seus poucos e raros patrimônios– por noventa e sete longos dias. Neste país, o negro é culpado até que se prove o contrário. O ônus da prova é do inocente, do acusado.
Como reparar tal injustiça? Como devolver os três meses de sua integridade e sanidade perdidas? Seu nome será limpo, ou permanecerá nos registros policiais como alguém que já esteve em uma prisão? Como devolver seu patrimônio moral, social? Como devolver sua dignidade? Há dinheiro no mundo que repare tal blasfêmia contra um homem inocente?
É preciso dizer o que se faz com um homem negro neste país. Um dia –e este dia chegará–teremos um novo tempo, uma nova civilização, onde todos serão iguais por suas qualidades pessoais e morais. Não mais por sua aparência ou posição social, conforme preconizou Luther King em seu sonho.
É preciso dizer que este dia chegará. E espero, sinceramente, estar vivo para ver o choro e o ranger de dentes dos hipócritas que hão de pagar com seu sangue por todas as ignomínias praticadas contra a humanidade.
(*Márcio Amêndola de Oliveira é da coordenação do Instituto Socialismo e Democracia José Campos Barreto, e graduando em História pela Universidade de São Paulo).
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