sábado, 4 de agosto de 2007

Por que deixo o Partido dos Trabalhadores?

Nada é impossível de Mudar
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."
Bertold Brecht

Por que deixo o Partido dos Trabalhadores?


Já são onze anos desde minha chegada às fileiras do Partido dos Trabalhadores, em 1996, a partir do engajamento no Movimento Estudantil. Vivia um momento de descobertas, de plena formação pessoal: intelectual, moral, ética, política, profissional. A conjuntura era marcada pelo avanço do neoliberalismo em toda América Latina e, também, no Brasil, através dos governos do PSDB.
O PT, como resultado do acúmulo de forças de diversos movimentos e organizações, envolvendo milhares de militantes sociais representava a diferença. Não somente pela forte rejeição ao neoliberalismo, mas, sobretudo pela afirmação da esperança, da crença na boa luta, no bom combate, na perspectiva de um projeto socialista, ainda que de contornos até hoje mal definidos.
Abrigando militantes marxistas, ex-guerrilheiros, religiosos e leigos da Teologia da Libertação, operários, sindicalistas, ecologistas, estudantes, o PT encampou uma infinidade de lutas que se unificavam ante a necessidade da disputa concreta do poder no Brasil, com vistas às transformações estruturais que marcassem um novo projeto societário.
Nessa conjuntura descobri a militância política, através do Movimento Estudantil. Sem muita formação teórica, ingressei no PT para, de fato, conhecê-lo por dentro. E ao longo desses 11 anos isso ocorreu, sem disfarces ou máscaras, descortinando muitas contradições internas, inerentes à nossa sociedade capitalista, e decorrentes de nossa formação colonial.
Participei ativamente da construção do coletivo municipal “Militância Socialista”, onde fiz amigos, descobri companheiros leais e encontrei força e ânimo para a luta política. No PT foram várias eleições e disputas internas, congressos, encontros, debates, seminários, atividades, movimentos. E a percepção real e crescente de que, talvez, as eleições fossem insuficientes para o processo de transformação necessário para atingirmos a justiça social, a liberdade e a igualdade. Não a igualdade liberal, mas a real igualdade social que fundamentalmente é necessária para a existência de qualquer perspectiva democrática: o socialismo.
Mesmo assim as disputas eleitorais mostravam-se como instrumentos, momentos fundamentais para construir essa transformação. Posteriormente, meu contato, ainda que superficial, com algumas idéias do filósofo e líder do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci, me reanimaram ante a perspectiva da disputa eleitoral e do significa do espaço político.
Contraditoriamente parecia cristalizar-se dentro da direção majoritária do partido a idéia de que as eleições representavam o objetivo final da luta partidária. O partido foi dividido internamente entre os “com votos” e os “sem votos”. Entretanto os eleitos, na maioria das vezes, não se lembravam dos milhares de militantes de base que diuturnamente defendiam as bandeiras partidárias e buscavam, no convencimento e na discussão, qualificar os processos eleitorais e conquistar votos mais conscientizados e, até mesmo, descobrir militantes.
Muitas lideranças petistas deveriam ter mais contato com Gramsci, o significado real de hegemonia, intelectual orgânico e intelectual coletivo. Mas, infelizmente, parece que para muitos o estudo não é algo necessário, pelo menos no que tange a formação política e teórica. Já dizia Lênin que sem teoria revolucionária não há pratica revolucionária. E o PT preferiu seguir o caminho de menor impacto, a “via fácil”: o pragmatismo, que não é nem científico, muito menos revolucionário.
Em 2002, após a vitória de Lula, me emocionei profundamente durante a posse do primeiro presidente operário da história brasileira. Esqueci momentaneamente o que tinha ocorrido durante o processo eleitoral: intervenções em diretórios estaduais, alianças amplas, Carta ao Povo Brasileiro. Demonstrações que as mudanças viriam de forma branda, sem modificar as estruturas, sem revolucionar o país. Queria acreditar, entretanto, que se tratava de uma aliança pluriclassista, liderada pelo PT, nos marcos dos pressupostos marxistas de alianças pluriclassistas.
Afinal, milhares de pessoas em Brasília, na posse, davam a tônica do sonho de muitos e que era meu também: um governo popular, de mobilização nacional, com a legitimidade fundada no povo nas ruas e organizado, em prol das mudanças radicais tão necessárias à instalação de um socialismo de profundas raízes democráticas.
Mas o chamado ao povo jamais veio. Pelo contrário, as alianças foram ampliadas em busca de uma maioria parlamentar que desfigurou completamente o projeto histórico popular e socialista. Ainda assim, me apegava às migalhas, às reduções da miséria, ainda que em taxas irrisórias de zero virgula qualquer coisa!
“Mas a conjuntura era outra”, alguns dirão!
De fato, na América Latina, desde o final da década de noventa, desenhava-se um amplo processo de ressurgimento de movimentos que se auto-intitulavam de esquerda, radicais, nacionais e internacionalistas. A vitória de Chávez na Venezuela aponta claramente a perspectiva eleitoral como viável para remodelamento do Estado, da política, da economia e da sociedade em bases não capitalistas. Demonstrações da vitalidade do pensamento gramsciniano e o alcance da via institucional.
Além da Venezuela, conquistamos também vitórias importantes na Bolívia, no Equador e, mais recentemente, na Nicarágua. Processos que merecem atenção, apoio, análise.
No Brasil, o governo Lula, ao contrário, preferiu negar qualquer matriz socialista e qualquer perspectiva anti-capitalista, reafirmando o que sempre dissera ao longo de sua trajetória política (infelizmente poucos perceberam). As composições políticas adotadas, os traços neoliberais na política econômica, ainda que minimizando as desigualdades sociais, não atacam o centro do problema. Os mecanismos e agentes que historicamente foram responsáveis pela profunda desigualdade social continuam intocados: a voracidade do capital, incontrolável, voraz.
Traição? Não creio. Apenas uma definição mais precisa da perspectiva de ação petista, jamais expressa tão claramente em suas teses e encontros. Foi necessário vencer as eleições presidenciais para esclarecer e definir melhor a perspectiva e o projeto do grupo hegemônico do PT. Reafirmado pela reeleição e pelo aprofundamento das políticas conservadoras, ainda que equilibrados por políticas compensatórias, o governo afirma-se cada vez mais como um governo de centro, com matizes de centro-direita.
Desse modo o PT afirma sua vocação para ser o partido da ordem, da gestão do capitalismo, talvez com uma tênue perspectiva social-democrata, mas ainda assim abandonando definitivamente qualquer perspectiva emancipatória anti-capitalista, socialista. Talvez um partido trabalhista com resquícios da tradição varguista: conciliatório, negando efetivamente a luta de classes. Se bem que o PT no governo federal não conseguiu avançar na legislação trabalhista e, ao contrário, dá sinais de apoio a medidas que aumentarão a precariedade das relações trabalhistas através da flexibilização de direitos e da promessa de uma reforma sindical que limite o direito de greve.
O PT, retoricamente afirmava-se como profundamente democrático, onde todos os militantes teriam o mesmo valor e onde as decisões seriam tomadas coletivamente. De fato o que se percebe internamente é outra coisa. A democracia petista é forjada em processos de disputa viciados, onde os filiados são buscados em casa para votar, às vezes em chapas ou propostas que mal conhecem, muitas vezes com anuidades pagas por terceiros. Democracia virou recurso discursivo para muitos demagogos dentro do PT. E o socialismo virou peça de museu, motivo de piada, aproximando o partido das perspectivas reacionárias da elite econômica brasileira.
Para os que acreditam ser possível a existência de um socialismo através da “humanização do capitalismo”, talvez esse seja o melhor caminho. Mas não para mim.
Lembro-me, anos atrás, que afirmava constantemente aos colegas que meu ideário era socialista antes de ser petista. Aprendi que o PT não foi e dificilmente será socialista. Também aprendi que o meu ideário hoje é mais radical, fundamentado e profundo. Hoje afirmo, conscientemente, meu ideário marxista e comunista, respaldado por um referencial materialista histórico e dialético. Amadurecido por uma intensa experiência cotidiana, de militância de base e direção partidária, percebo claramente os limites do projeto de poder petista.
Convicto da necessidade de um projeto político que transcenda o mero eleitoralismo, o obreirismo voluntarista, a profissionalização da militância, a disputa interna, a retórica democrática, o rebaixamento programático, o socialismo de mercado, a gestão do capitalismo, deixo hoje as fileiras do PT.
Convicto da vitalidade do projeto comunista como alternativa para a humanidade, da democracia como valor ético, da política como espaço de vasta possibilidade, separo meu caminho do caminho do PT. Não por mágoas ou traições, mas pela necessidade de coerência.
O PT encerrou um ciclo na história política brasileira. E não foi o partido da Revolução. Provavelmente jamais será! E a certeza disso me leva hoje a buscar novos caminhos. Assim, encerro também meu período dentro do PT.
Mais maduro, coerente e consciente, buscarei reafirmar a vitalidade da práxis comunista como uma alternativa viável para a superação das profundas contradições capitalistas.
As amigos, simpatizantes e integrantes da Militância Socialista deixo meu agradecimento e desde já um grande sentimento de saudade. Sei que manteremos a luta conjunta em muitos momentos, mas sei também que não será na intensidade que atuamos juntos até agora. As maiores lições sobre política, humanidade, socialismo, justiça e amizade, aprendi com vocês. As melhores vitórias e alegrias na política vivi com vocês.
Aos amantes do pragmatismo, deixo minhas sinceras saudações e um pensamento do teórico e revolucionário Vladimir Lênin.

“Não se pode vencer o capitalismo sem tomar os bancos, sem abolir a popriedade privada dos meios de produção, mas é impossível realizar esta medida revolucionária sem organizar a direção democrática por todo o povo dos meios de produção arrancados à burguesia, sem incorporar toda a massa dos trabalhadores, proletários, semi-proletários e pequenos camponeses, na organização democrática das suas fileiras, das suas forças, da sua participação no Estado.” (Vladimir Ilith Ulianov “Lênin”)

Com a tristeza de quem tem certeza que sentirá algumas saudades, mas com a alegria da paixão militante renovada, me despeço das companheiras e dos companheiros do Partido dos Trabalhadores, na esperança de um reencontro na boa luta e na ação revolucionária.



Tito Flavio Bellini
Franca, 04 de agosto de 2007.


“Reconhecer francamente os erros, pôr a nu as suas causas, analisar a situação que os originou e discutir cuidadosamente os meios de corrigi-los é, o que caracteriza um partido sério; nisso consiste o cumprimento de seus deveres; isso significa-- educar e instruir a classe e, depois, as massas.”
Lênin. “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”.

Acto de fe (Pablo Milanés)
Creo en ti,
como creo cuando crece
cuanto se siente y padece
al mirar alrededor.

Creo en ti,
y me alegro que el mañana
a través de mi ventana
nunca sea igual que hoy.

Creo en ti,
porque dándome disgustos
o queriéndome mucho
siempre vuelvo a ti.

Creo en ti,
lleno de contradicciones
presto a soluciones
siempre creo en ti.

Creo en ti,
porque nada hay más humano
que prenderse de tu mano
y caminar creyendo en ti.

Creo en ti,
como creo en Dios
que eres tú, que soy yo,
en ti, Revolución.
(1980)

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