Em texto recente, publicado no jornal “O Globo”, o senador Aloísio Mercadante fez uma análise (ainda que eu discorde 90 por cento dela), sobre a crise institucional entre a Venezuela e o Senado brasileiro. Entretanto, como em muitas posições internas e externas recente, o senador é de infeliz e superficial análise. Duas hipóteses para isso: desinformação ou sofismo. Muito provavelmente o senador não é um desinformado.
Esquece o senador que a agressão partiu inicialmente do Senado brasileiro, ao apelar para que Chávez revisse a posição de não renovar a concessão do canal RCTV. Tal solicitação seria no mínimo indelicada. Mas partindo de grupos conservadores brasileiros, com anuência de petistas, tornou-se, de fato, um símbolo de desrespeito à soberania e autodeterminação de um país que ousou, com a maior profundidade democrática da história recente latino-americana, refundar seu Estado em bases populares.
A crítica de Chávez foi uma resposta a essa agressão. Um tanto exagerada, podemos concordar, mas na medida que julgou necessária, tendo em vista o desrespeito do Senado brasileiro aos assuntos internos da Venezuela.
Não pode o senador invocar a manutenção do processo democrático em qualquer país e ser leniente com intervenções injustificadas, que minam a democracia, como foi o caso da solicitação acerca da RCTV.
Parece exercício de retórica a vulgarização que muitos fazem acerca do que venha a ser “democracia”. Esquece que em nome da “democracia” o Afeganistão e o Iraque encontram-se invadidos por tropas ocidentais, de maioria estadunidense. Em nome da “democracia” o Brasil lidera a invasão ao “Haiti”, mas não consegue resolver as mazelas que assolam nosso país.
Fica latente em vosso texto a democracia como recurso retórico apenas, mais evidenciada se levarmos em conta a prática partidária interna. Quem o senador apoio para prefeito na cidade de São José do Rio Preto, nas últimas eleições, no primeiro turno? Se me recordo, não foi o candidato petista...
Outro exemplo de uma vulgarização conceitual é quando cita o perigo do “ressurgimento” populista na América Latina. Esquece que o populismo não pressupõe poder popular. Não pressupõe sequer a organização popular. Populismo pressupõe conciliação de classes e povo como massa de manobra. O senador simplifica o conceito ao focar apenas o aspecto carismático como componente do que seria um pretenso populismo. Nesses aspectos nosso atual governo é mais próximo ao populismo: liderança carismática que nega abertamente a luta de classes (como se ela dependesse de afirmação de alguém), que não contribui para o avanço da organização popular. É mesmo, o populismo ressurgiu na América Latina!
O que se vive hoje na América Latina não é a criação de um bloco populista, mas um bloco popular, cuja liderança o Brasil abriu mão ao optar pelo caminho de menor impacto, a “via fácil” da conciliação de interesses.
Se acreditar realmente que existe papel “civilizador” a partir da formação de blocos econômicos, então comecemos talvez pela criação de nosso próprio “welfare state”. Não há segredo para a sobrevivência da União Européia, uma vez que se deu em meio a sutis divergências ideológicas, evidentemente não tão notáveis, como expressou o senador. Essa é a tendência do capitalismo desde sua fase mercantil. Apenas acelerou o processo em sua nova etapa.
Não cabe à Chavez, nisso concordamos, opinar de forma tão descortez acerca de assuntos internos brasileiros. Mas isso não torna menos indecorosa a “educada” intromissão brasileira nos assuntos internos venezuelanos. Se o Congresso Nacional deseja garantir a democracia brasileira, que trate então de eliminar as profundas contradições internas oriundas de um capitalismo devastador, castrador e assassino. A impressão que temos no Brasil é que o queijo está na mesa. Mas alguns tentam cortá-lo com a língua, e não com a faca!
Tito Flávio Bellini
Doutorando em História e Cultura Política pela UNESP-Franca
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